quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Em busca do paraíso perdido

Viver não dói. O que dói é a vida que não se vive.
Emílio Moura (poeta mineiro)

Li um texto do Jurandir Freire Costa e um outro de Flavio Gikovate e fiquei pensando... Meu trabalho é refletir sobre redes, complexidade, inovação e tecnologia; falar de como isto está mudando o mundo e nossas vidas... Mas, para ser honesto, acho que as transformações mais importantes deste início de século são as transformações que estamos vivenciando nas relações humanas.
Vivemos em busca da chave mágica que vai nos abrir as portas do paraíso e da felicidade, mas será que ela existe?

Gikovate nos alerta que o romantismo do século passado nos levou a procurar no outro o complemento indispensável para nossa felicidade: “O amor romântico parte da premissa de que somos uma fração e precisamos encontrar nossa outra metade para nos sentirmos completos. Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais a mulher. Ela abandona suas características, para se amalgamar ao projeto masculino”. Completa dizendo que uma outra teoria, no fundo com esta mesma base de pensamento, é de que devemos procurar nossos opostos, para assim chegar ao equilíbrio. Se sou calmo, devo procurar alguém agressivo, se sou sonhador, uma pessoa pragmática...
Para Jurandir Freire, "o ideal do amor no qual nos fixamos, herdado do romantismo, embalado por adiamentos, renúncias, devaneios, esperanças no futuro e doces momentos do passado tornou-se contraditório com nossa 'paixão pelo efêmero'. Em outras épocas, o amor não só era outro, como estava relativamente à prova de crises de esgotamento a medida que não se reduzia à satisfação narcísica, ao gozo dos prazeres e das sensações 'sem memória e sem história'. Por exemplo, entre os gregos, estava a serviço da verdade e da pólis; entre os cristãos, alimentava o poder de Deus e a inclinação para o próximo; a partir da ascensão da burguesia, sustentava os laços de coesão social, como defendia Rousseau, um dos pais espirituais do romantismo. Hoje, privados de ideais afetivamente importantes, voltamo-nos para o amor como quem espera a Arca de Noé. Só que o Dilúvio chegou antes", diz Jurandir.
O que fazer diante da constatação da falência deste modelo? Devemos simplesmente abandonar o barco? Desistir? Ou reinventar nossas formas de relacionamento? Inovar?
Para Jurandir Freire, podemos nos livrar de um ideal de amor caduco, mas não estamos livres da necessidade de reinventá-lo. Gikovate vai na mesma direção e aponta que “o que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer de estar junto, e não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar... As pessoas estão aprendendo a conviver melhor consigo mesmas. Elas estão começando a perceber que se sentem fração, mas são inteiras” (grifo meu).
O inferno não são os outros
Freqüentemente identificamos a causa de nossos problemas nos outros: fulano é insensível, beltrano me irrita, ninguém percebe meu valor... Identificamos os problemas, e conseqüentemente, as soluções como estando fora de nós. Em poucas palavras, como diria Sartre, achamos que “o inferno são os outros”...
Precisamos construir um outro caminho. Precisamos inovar também nas relações humanas. Ao invés de culpar o outro ou, no caso das relações afetivas, buscar nossa “alma gêmea” ou "a parte que nos falta", devemos buscar a plenitude. Não devemos nos contentar em sermos frações, mas seres inteiros naquilo que fazemos. E para isso, quanto mais competente formos para viver sozinhos, mais estaremos preparados para viver intensamente uma relação afetiva. A relação não será doentia (“não posso viver sem você”), mas saudável, sem exigências, onde ambos podem crescer.
Claro que este é o caminho mais difícil. Certamente é muito mais fácil adotar um perfil conhecido, imitando os modelos que todos os dias as novelas e filmes de Hollywood nos propõem. Quando você copia os outros há menos riscos. Quando não copiamos ninguém estamos sozinhos! Vamos ter que encontrar nossos próprios caminhos. É uma opção de maior risco, mas segundo os dois psicanalistas, é a que nos permitiria ser mais verdadeiros e felizes. O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. Nesse tipo de ligação, há o aconchego, o prazer da companhia e o respeito pelo ser amado.
Da mesma forma que a inovação não é mais uma opção, mas um imperativo para as empresas e países que desejam viver no século XXI, a inovação nas relações humanas não é mais um opção. É uma necessidade para a sobrevivência de nossa espécie no planeta. Não conseguiremos sobreviver se continuarmos a manter relações hipócritas, mentirosas e inadaptadas ao ambiente social, econômico, político e cultural que vivemos. Precisamos reinventar nossos relacionamentos para vivermos com mais intensidade, verdade e felicidade. Mudar sempre é doloroso, mas não temos outro caminho. Afinal, como nos ensina o poeta, "viver não dói. O que dói é a vida que não se vive"...


segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Como fazemos nossas escolhas?

"Você é livre para fazer suas escolhas, 
mas é prisioneiro das consequências
(Pablo Neruda)


Volta e meia nos deparamos com situações onde somos chamados a nos posicionar. Qual o caminho que devemos pegar numa estrada? Em quem devemos votar? O que devemos fazer numa determinada situação? Somos livres para fazer nossas escolhas, mas como nos lembra o poeta, somos prisioneiros das consequências... Na verdade, o que nós somos é o resultado das escolhas que fazemos ao longo da vida.





"A vida é a soma de todas as suas escolhas" (Albert Camus)

Este fim de semana aconteceu um grande debate nas redes sociais sobre a "seletividade" na indignação das pessoas. Por que algumas pessoas colocaram as cores da França nas fotos do perfil (em solidariedade com os atentados naquele país, como eu fiz), mas não colocaram bandeiras da Síria ou do Líbano, países que também foram vítimas de atentados do grupo Estado Islâmico? 

Como fazemos as escolhas?

Acho que as escolhas têm a ver com as redes, as relações que construímos e as informações que tivemos acesso ao longo da vida. No caso dos atentados, existem mais relações e informações entre o Brasil e países europeus do que entre nós e a África do Norte ou o Oriente Médio. Claro que qualquer ser humano assassinado de forma covarde merece nossa solidariedade e nosso repúdio ao ato. Os mortos no Líbano, na Síria ou no Quênia não não melhores ou piores que os assassinados em Paris. Os atentados em quaisquer destes países mereceria toda nossa atenção também. Só digo que nossa seletividade tem a ver com os links das nossas redes, com as escolhas que fizemos  e com as informações que recebemos ao longo da vida

Eu, por exemplo, tenho muitos amigos em Paris, onde fiz meu doutorado, e me parece natural que qualquer atentado nesta cidade me toque muito mais de perto do que um atentado no Afganistão. Uma pessoa que cresceu em um ambiente onde as mulheres não podem se sentar ao lados dos homens num auditório ou andar na rua ao seu lado, e nunca foi confrontada com outras situações ou informações, vai considerar normal o que para nós é uma discriminação intolerável. 

Mais do que ficar criticando as escolhas dos outros, me parece mais relevante que cada um de nós reflita sobre as escolhas que anda fazendo. Quanto tempo da nossa vida dedicamos a fazer o quê? Eu posso passar quatro horas do meu dia conversando sobre futebol (um assunto que gosto), ou usar este tempo de outra forma. O resultado destas escolhas vai explicar, em grande parte, quem eu serei. Como alguém já disse, "fazemos nossas escolhas e nossas escolhas nos fazem"... 

Fazer escolhas é dolorido. Temos medo de errar, de sofrer, mas muito pior do que escolher errado é não escolher. Como diria o poeta mineiro Emílio Moura, "viver não dói, o que dói é a vida que não se vive...". 

Façamos nossas escolhas sem medo de errar. O erro faz parte do nosso processo de aprendizagem e sempre podemos fazer do tropeço um passo de dança.