sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Em busca da felicidade perdida

Viver não dói. O que dói é a vida que não se vive.
Emílio Moura (poeta mineiro)

Li um texto do Jurandir Freire Costa e um outro de Flavio Gikovate e fiquei pensando... Meu trabalho é refletir sobre redes, complexidade, conhecimento, inovação e tecnologia; falar de como isto está mudando o mundo e nossas vidas. Mas, para ser honesto, acho que as transformações mais importantes deste início de século são as transformações que estamos vivenciando nas relações humanas.

Vivemos em busca da chave mágica que vai nos abrir as portas do paraíso e da felicidade, mas será que ela existe?



Gikovate nos alerta que o romantismo do século passado nos levou a procurar no outro o complemento indispensável para nossa felicidade: “O amor romântico parte da premissa de que somos uma fração e precisamos encontrar nossa outra metade para nos sentirmos completos. Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais a mulher. Ela abandona suas características, para se amalgamar ao projeto masculino”. Completa dizendo que uma outra teoria, no fundo com esta mesma base de pensamento, é de que devemos procurar nossos opostos, para assim chegar ao equilíbrio. Se sou calma e carinhosa, devo procurar alguém agressivo, se sou sonhador, uma pessoa pragmática...

Para Jurandir Freire, "o ideal do amor no qual nos fixamos, herdado do romantismo, embalado por adiamentos, renúncias, devaneios, esperanças no futuro e doces momentos do passado tornou-se contraditório com nossa 'paixão pelo efêmero'". 

Afinal, q que devemos fazer diante da constatação da falência do “modelo de amor” que tínhamos? Devemos simplesmente abandonar o barco? Desistir? Ou reinventar nossas formas de relacionamento? Inovar?

Para Jurandir Freire, podemos nos livrar de um ideal de amor caduco, mas não estamos livres da necessidade de reinventá-lo. Gikovate vai na mesma direção e aponta que “o que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer de estar junto, e não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar... As pessoas estão aprendendo a conviver melhor consigo mesmas. Elas estão começando a perceber que se sentem fração, mas são inteiras” (grifo meu).

O inferno não são os outros

Frequentemente identificamos a causa de nossos problemas nos outros: fulano é insensível, beltrano me irrita, ninguém percebe meu valor... Identificamos os problemas, e consequentemente, as soluções como estando fora de nós. Em poucas palavras, como diria Sartre, achamos que “o inferno são os outros”.
"Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes" (Fernando Pessoa)

Precisamos construir um outro caminho. Precisamos inovar também nas relações humanas. Ao invés de culpar o outro ou, no caso das relações afetivas, buscar nossa “alma gêmea” ou "a parte que nos falta", devemos buscar a plenitude. Não devemos nos contentar em sermos frações, mas seres inteiros naquilo que fazemos. E para isso, quanto mais competente formos para viver sozinhos, mais estaremos preparados para viver intensamente uma relação afetiva. A relação não será doentia (“não posso viver sem você”), mas saudável, sem exigências, onde ambos podem crescer.

Claro que este é o caminho mais difícil. Certamente é muito mais fácil adotar um perfil conhecido, imitando os modelos que todos os dias as novelas e filmes de Hollywood nos propõem. Quando você copia os outros há menos riscos. Quando não copiamos ninguém estamos sozinhos! Vamos ter que encontrar nossos próprios caminhos. É uma opção de maior risco, mas segundo os dois psicanalistas, é a que nos permitiria ser mais verdadeiros e felizes. O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. Nesse tipo de ligação, há o aconchego, o prazer da companhia e o respeito pelo ser amado.

Mas cuidado. Conseguir viver consigo mesmo não significa viver sozinho. A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se fecha, que se recusa a viver com os outros. Ou sobrevive ao lado de alguém sem estar inteiro naquela relação. Alguém encerrado em si mesmo, que não dá e não está aberto a receber amor é uma pessoa solitária. Que tem medo de amar. Este “queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno”. Quem se recusa às emoções verdadeiras acaba definhando e perdendo-se de si mesmo.

Assim, da mesma forma que a inovação não é mais uma opção, mas um imperativo para as empresas e países que desejam viver no século XXI, a reinvenção das relações humanas não é mais uma opção. É uma necessidade para a sobrevivência de nossa espécie no planeta. Não conseguiremos sobreviver se continuarmos a manter, por um lado, relações hipócritas, falsas e mentirosas ou, por outro lado, cultivando relações efêmeras, sem qualidade e profundidade.

Precisamos criar um novo tipo de relacionamento para vivermos com mais intensidade, verdade e felicidade. Mudar sempre é doloroso, mas se queremos viver não temos outro caminho. Afinal, como nos ensina o poeta, "viver não dói. O que dói é a vida que não se vive"...

Natal é onde celebramos o advento, a chegada do novo. Como há dois mil anos, o novo traz esperança, mas também o medo. As coisas andam tão tristes, escuras e confusas que temos medo de ousar mudar. É compreensível que tenhamos medo do novo, mas não devíamos temê-lo. Até porque ele virá. Vamos celebrá-lo.


Um FELIZ NATAL a tod@s!