terça-feira, 31 de maio de 2016

Inovação, ciência e tecnologia: a persistência no erro

"Subdesenvolvimento não se improvisa; é obra de séculos". (Nélson Rodrigues)

Pela sexta vez consecutiva o Brasil caiu no ranking de competitividade mundial. Estamos na 57a posição, atrás de Argentina, Colômbia, Peru, México e Qatar e à frente apenas de Venezuela, Mongólia, Ucrânia e Croácia, países que viveram ou vivem situações de conflitos intensos. 




Este resultado não é fruto do acaso ou de improvisos, é o resultado de anos de uma política equivocada de ciência, tecnologia e inovação. Em um artigo que escrevi junto com meu amigo André Pereira Neto (clique aqui para ver a íntegra do artigo) procuramos apontar as razões deste nosso atraso no desenvolvimento tecnológico e combater alguns mitos que nos impedem de atacar as causas de nosso atraso.

O primeiro mito: falta dinheiro

Não é verdade que faltem recursos para a ciência, tecnologia e inovação (CTI). Investimos apenas 1,3% do PIB em CTI, que é bem menos que a Coréia, Alemanha ou França, mas é mais ou equivalente ao que investem a China e o México. A diferença é que o retorno deste investimento para a sociedade é muito maior nestes países. Não temos prioridades e pulverizamos os recursos em mais de 30 áreas. Quem tem mais de 30 prioridades não tem nenhuma e o resultado é que ao invés de sermos muitos bons em algumas áreas, somos ruins em todas...

Segundo mito: Temos poucos doutores

A segunda falácia que repetimos sem analisarmos os números é de que formamos poucos doutores. O Brasil está formando cerca de 10.000 doutores por ano. É menos do que outros países com populações menores que a nossa, mas é muito mais que o nosso modelo de desenvolvimento consegue absorver. A maioria destes pesquisadores que obtém seu título de doutor vai trabalhar em áreas que não tem nada a ver com a pesquisa. O resultado é frustração pessoal e desperdício de recursos. Precisaríamos ter um outro modelo de desenvolvimento econômico, que valorizasse a inovação, e um outro enfoque na priorização da formação destes doutores, hoje, na sua maioria, da área de humanas.

Precisamos é mudar de rumo...

Não faltam recursos financeiros nem humanos. O que falta é uma estratégia adequada. Existe há alguns anos uma verdadeira ditadura do artigo indexado em revistas internacionais. Publicamos como nunca, em revistas que ninguém lê, porque o ÚNICO critério de avaliação de nossos pesquisadores é a publicação de artigos em revistas internacionais. Claro que este deve ser UM dos critérios, mas em nenhum lugar do mundo este é o único, e nem mesmo é o principal. Pelo simples fato de que hoje a função da publicação - que é de divulgar as ideias - é melhor executada pelas redes sociais. De fato, atribuir às revistas científicas, caras e pouco acessíveis, o papel principal na divulgação científica é um resquício do pensamento academicista dos séculos XIX e XX que não mais se aplicam no século XX. Continuarmos apostando neste dogma do artigo como único critério de avaliação é um desastre.

Esta persistência em políticas equivocadas de CTI está fazendo o Brasil recuar, de forma consistente e sistemática, nos ranking de competitividade e até mesmo nos de produção científica de qualidade. Publicamos muitos artigos, mas que são repetitivos e sem grande interesse para a comunidade internacional. O que importa é publicar muitos artigos, mesmo que eles sejam irrelevantes. Claro, com as raras exceções de sempre...

Precisamos de uma outra política, que avalie a produção científica a partir de critérios mais amplos e diversificados, que estreite os laços entre os centros de pesquisa e as empresas, e que valorize a produção de um conhecimento sintonizado com os problemas e demandas da sociedade. 

Enquanto isto não acontecer, vamos continuar a assistir a fuga dos cérebros para o exterior, a ver alguns abnegados brincando de fazer ciência e ao final, o país continuar caindo nos ranking de competitividade econômica e desenvolvimento social. 

Como nos lembra o grande Nélson Rodrigues, nosso subdesenvolvimento não acontece por acaso. É o resultado da nossa persistência no erro.

Está mais do que na hora de mudar nosso rumo. 


sábado, 28 de maio de 2016

Quem ficou bem nas fitas?

"Nosso grande medo não é o de que sejamos incapazes.
Nosso maior medo é que sejamos poderosos além da medida. É nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos amedronta.
Nos perguntamos: "Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso e incrível?" Na verdade, quem é você para não ser tudo isso?...Bancar o pequeno não ajuda o mundo. Não há nada de brilhante em encolher-se para que as outras pessoas não se sintam inseguras em torno de você.
E à medida que deixamos nossa própria luz brilhar que, inconscientemente damos às outras pessoas permissão para fazer o mesmo". (Nélson Mandela)


Os poderosos estão tendo um medo que nunca tiveram antes. Com razão. Eles estão sendo investigados e punidos como nunca foram. Empreiteiros, doleiros, latifundiários, banqueiros e políticos se achavam imunes à lei. Hoje estão na cadeia. No silêncio e na escuridão dos palácios de Brasília arquitetavam seus planos e saqueavam o país sem que a sociedade pudesse reagir ou mesmo tomasse conhecimento das falcatruas. Pior ainda, alguns pensavam que o lula de 2016 era o lula de 2003 e que o poder dele e dos políticos era maior que o do povo, e que bastaria um estalar de dedos do líder messiânico para o povo correr em sua defesa...

Esqueceram-se de que os tempos agora são outros. As redes sociais, a participação popular, o fortalecimento da democracia e das instituições republicanas e uma nova geração de juízes, procuradores da república e policiais federais colocou Brasília de cabeça para baixo. Nunca se leu ou se falou tanto de política quanto agora. Temos mais observadores e comentaristas do que qualquer jornal ou revista jamais imaginou ou poderia ter. Só nos últimos cinco anos mais de 20 milhões de pessoas passaram a usar ativamente seus celulares e smartphones, deixando de serem meros leitores e espectadores para se tornarem produtores de um conteúdo cada vez mais amplo e diversificado. O Brasil está, cada vez mais, conhecendo a sua cara.

Claro que no meio desta abertura de comportas para a participação popular há de tudo, inclusive o indesejável e o abjeto. Como nos lembra a escritora Ana Maria Machado, "a cada um de nós a tarefa de filtrar a porcaria que não quer ingerir. E o cuidado de discernir o que visivelmente parte de uma origem única, pretendendo desviar o foco do que importa ou impor uma só forma de pensar e ver".

É exatamente a diversidade de opiniões que soma experiências, desnorteia os poderosos e fortalece a democracia. Quando era menino, jogava bola em diversos campinhos pelas ruas e morros de Laranjeiras. Quando tinha sede, bebia água na primeira bica ou jorro de água disponível. Devo ter ingeridos milhões de bactérias! Mas vivi 50 anos tendo poucas doenças e atribuo isto a estas bactérias e águas impuras... Beber de diversas fontes nos faz mais resistentes, mais plurais e fortalece a democracia.

Assim como o leito conduz os rios até o mar, a internet e as redes sociais foram o meio que viabilizou um salto de qualidade e quantidade na participação popular. Se antes os partidos políticos e sindicatos tinham o monopólio da mobilização popular, eles agora têm papel absolutamente secundário. E se esvaziam a olhos vistos. Os jovens tendem a não mais lhes prestar qualquer importância ou representatividade, e isto é um enorme avanço para a democracia. As pessoas deixam de ser tuteladas e passam a ser protagonistas de sua própria história. Precisam pensar com sua própria cabeça.

Esta nova realidade de uma presença popular não teleguiada pelos partidos e sindicatos se conjugou com uma nova geração de juízes, procuradores e policiais federais que fazem de forma séria e republicana seu trabalho para viabilizar uma operação que está fazendo uma revolução política no país: a operação Lava Jato. Os políticos, que antes tinham as rédeas do poder nas mãos, se sentem impotentes diante de gravações, documentos e processos absolutamente comprometedores, que levaram um deles a admitir que "não vai sobrar ninguém"...  

O Golpe era contra a Lava Jato

As últimas gravações demonstram claramente que os políticos de TODOS os partidos tramavam um golpe nos bastidores para, senão acabar com a Lava Jato, pelo menos "enquadrá-la dentro de limites aceitáveis"... Para isto, como nos lembra o mestre Zuenir Ventura, " a providência mais importante seria mudar a lei de delação premiada, responsável pelo explosão de uma bomba atrás da outra". E quem é o autor deste projeto de lei que Zuenir considera um golpe contra a Lava Jato? O Deputado Wadi Damous, do PT-RJ, que lula queria como Ministro da Justiça da presidente Dilma...

Mas o tiro saiu pela culatra... Ainda segundo Zuenir, "em lugar de extinguir ou enfraquecer a Lava Jato, fortaleceu-a, garantindo a sobrevivência e até mesmo o reforço da operação comandada por Sérgio Moro, pois os que foram apanhados arquitetando na sombra um plano contra ela tiveram que vir a público prometer defendê-la..."

Se os políticos e poderosos saem enfraquecidos deste processo, quem se fortaleceu? Quem ficou bem nas fitas? Para Zuenir, "o ministro Teori Zavascki e o procurador da República, Rodrigo Janot, foram os que mais ganharam prestígio e respeito (Moro é hors concours"). O primeiro foi considerado de "difícil acesso" pelos políticos e o segundo xingado de "mau caráter""... 



Além destes três, eu acho que o grande vencedor, quem mais ficou bem na fita foi o povo brasileiro. Em toda a sua diversidade. Sempre tivemos o complexo de vira-latas, nos consideramos incapazes. Mas, como disse Mandela, "Nosso grande medo não é o de que sejamos incapazes. Nosso maior medo é que sejamos poderosos além da medida. É nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos amedronta". As mobilizações de junho de 2013 e as que fizemos em relação ao impeachment (a favor ou contra) mostraram que os partidos e sindicatos não tem mais o monopólio da mobilização popular. Qualquer um de nós pode ser luz, pode ser protagonista da sua história, indo às ruas, batendo panela, escrevendo e postando nas redes... Estamos aprendendo que em rede podemos ser alguém com voz e presença e que podemos transformar a sociedade. 

Este é um caminho sem volta. "À medida que deixamos nossa própria luz brilhar, inconscientemente damos às outras pessoas permissão para fazer o mesmo". Para desespero dos poderosos do século XX e do milênio passado, "É um rio de asfalto e gente que entorna pelas ladeiras e entope o meio fio. Na esquina mais de um milhão"... E é com toda esta gente gente gente que vamos mudar o Brasil.